Zika,
microcefalia e aborto
Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Nunca se falou tanto em mosquito! E
não é por nada, pois o bichinho não só é capaz de fazer musiquinha chata no
ouvido na hora que a gente quer dormir, mas pode causar uma série de problemas
à saúde, transmitindo vírus causadores de doenças perigosas, como febre
amarela, dengue, chikungunya e zika.
Sua carga viral pode causar danos
irreparáveis à saúde dos bebês por nascer. Mesmo sem haver ainda uma
comprovação científica cabal até este momento, tudo indica que o vírus zika,
transmitido pelo pernilongo pintadinho, chamado com o nome erudito de aedesEgypti,
é causador da microcefalia nos fetos e crianças em gestação.
A preocupação é grande n Brasil e no
mundo inteiro. Não se pode vacilar e, além de usar proteções diversas para não
ser picado pelo mosquito, é preciso lutar para acabar com ele. Nessa guerra
contra o inimigo público comum, ninguém está dispensado: nada de água parada
descoberta, pois é lá que ele bota os ovos e multiplica sua força de ataque
virulenta. Vasos de flor, frascos, pneus velhos ou quaisquer recipientes de
água deixados por aí, até as belas bromélias e outras flores, podem virar
criadouros do mosquito.
O cuidado para não ser picado pelo
aedesEgypti já não basta: já são várias as formas de transmissão do vírus zika,
causador da microcefalia: pelo sangue, a saliva e pela urina de quem está
infectado. Até as relações sexuais poderiam favorecer a proliferação do vírus.
Todo cuidado, portanto, é recomendado a quem tem ou teve uma febre por causa do
vírus zika, para não passá-lo a outros. A supervisão médica é recomendada em
todo caso.
Como era de se esperar, o aumento dos
casos de microcefalia nesses tempos de zika reanimou os defensores da
“descriminalização” do aborto: querem aproveitar a psicose geral para conseguir
a aprovação do Congresso Nacional, ou pelo casuísmo no Supremo Tribunal
Federal, as possibilidades de mais um caso de “aborto legal”. Até uma
autoridade da Organização Mundial da Saúde, da ONU, recomendou com ênfase que
os países onde anda o vírus zika, devem descriminalizar o aborto.
Compreendo a aflição das mulheres, que
se vêm na situação de gerar um filho com microcefalia. Elas precisam ser
amparadas e preparadas para terem seu filho e cuidar dele adequadamente. E a
mulher tem uma grande capacidade de acolher e amar o que é pequeno, frágil e
necessitado de proteção e amparo. Que outra coisa poderia ser feita, sem deixar
de ser uma decisão nobre e digna da condição humana?
Afinal, por quais motivos, tanta
insistência no aborto neste momento? Não é o caso de insistir muito mais no
combate ao mosquito e na pesquisa científica, em vista de uma vacina eficaz
contra os efeitos do vírus? Por que os fetos e bebês por nascer têm de ser as
vítimas do zika e também da sociedade, que não quer saber de indivíduos com
defeitos ou deficiências? Que cálculos são esses, que levam logo à petição da
pena de morte para esses nascituros, já prejudicados pela natureza impiedosa?
Insiste-se em suprimir a vida de seres
humanos e inocentes porque são indesejados; ou porque terão um “padrão de
qualidade” inferior ao sonhado e estabelecido pela sociedade dos fortes, belos
e sadios. De fato, a lógica parece simples: serão seres com baixa capacidade
intelectual e renderão pouco para a sociedade; serão pesados a ela e não serão
capazes de competir e se afirmar num mundo exigente, que despreza os fracos.
Enfim, não serão “vidas viáveis” para eles próprios, nem adequados às
expectativas de futuro para a sociedade. Haveria outros motivos mais
convincentes para decidir pela supressão de seres humanos, antes mesmo de
nascerem?
A pressão pela legalização do aborto
de seres humanos com deficiência é contrária à misericórdia: quer resolver o
sofrimento e o desconforto, suprimindo o ser humano que, sem culpa sua, possa
ser o motivo do desconforto. A misericórdia, própria de Deus e ensinada por
Jesus, leva a acolher o pequeno, o frágil, o indesejado, o feio, o incapaz, o
rejeitado...
E a amar com amor infinito, restaurando sua deficiência. Aborto de
crianças com microcefalia está em aberto contraste com a misericórdia. De que
lado ficamos?
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Março de 2016
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval Neves
Responsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa - SP
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