FAMÍLIA: MISSÃO APAIXONANTE
O Papa
João Paulo II diz, na sua “Carta às Famílias”, que “a família é o centro e o
coração da civilização do amor”, que está nas raízes mais profundas do desejo
de Deus para o homem na terra. Neste tempo em que a necessidade do matrimônio e
da família no mundo tem sido posta em questão, é preciso anunciar o que de fato
ela é: uma missão apaixonante!
Criada
por Deus, a família existe para Ele, e só n’Ele pode encontrar o seu sentido.
Vamos começar a encontrar o seu sentido no livro do Gênesis, mais exatamente no
trecho que fala da origem do homem e da mulher sobre a terra.
Criados à
imagem e semelhança do Deus Trinitário, que vive uma eterna comunhão de amor, o
homem e a mulher são desde o início chamados a “crescer e multiplicar-se” por
uma comunhão semelhante à divina. Deus chama o ser humano, obra-prima da Sua
criação, a uma eterna comunhão de amor com Ele, e este chamado encontra uma
significativa expressão na aliança nupcial que se instaura entre o homem e a
mulher, cujo vínculo de amor é tantas vezes descrito na revelação como imagem
da Aliança que une Deus com seu povo.
Contudo,
o egoísmo que se esconde desde o primeiro pecado no amor do homem e da mulher
(Gn 3,16), requer a Redenção da família, e a reordenação para sua finalidade
última. Só assim a família reencontra a sua razão de ser, pois o amor humano
corre constantemente o risco de partir do homem e acabar no homem, quando o seu
destino é partir do homem para encontrar a imagem de Deus.
A
comunhão entre Deus e o ser humano, ferida pelo pecado, foi restaurada no
sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo por sua Esposa, a Igreja. “Neste
sacrifício, descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na
humanidade do homem e da mulher, desde a sua criação” (João Paulo II,
Familiaris Consortio, n.13). E o Espírito, que Ele nos envia, é que nos
capacita, como homens e mulheres unidos pelo sacramento do Matrimônio, a nos
amarmos mutuamente, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.
Assim é
que o amor conjugal, iluminado pela Caridade de Cristo, nos capacita a vivermos
no interior da família a mesma Caridade com que Cristo se doa sobre a cruz (Ef
5,32). E este amor sobrenatural que atinge o casal deve se estender como graça
para os filhos e entre os filhos, como também entre pais e filhos, e, mais
ainda, entre os membros de cada família e os de fora.
“Esposos
e famílias, recordai-vos por que preço fostes comprados” (João Paulo II, Carta
às famílias, n.18). Missão apaixonante é a dos esposos e da família por eles
constituída: Viver a mesma Caridade com que Cristo se doa sobre a cruz! Os
esposos participam da função redentora de Cristo ao assumirem integralmente,
por vocação divina, a finalidade para a qual o matrimônio foi instituído. Eis a
beleza e a honra da missão que o Senhor atribui à família!
A família
não só usufrui do mistério Pascal de Cristo, mas é chamada a participar dele, o
que passa através das manifestações mais simples do amor conjugal, que por
causa da sua dimensão terrena parecem inadequadas em comparação com o grande
mistério que devem expressar. Mas não podemos nunca esquecer que “o mistério
divino da Encarnação do Verbo está em estreita relação com a família humana”
(Carta às Famílias, n.2).
O Filho
unigênito, Deus de Deus, Luz da Luz, entrou na história dos homens através da
família: Pela Sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria,
que tornou-se semelhante a nós em tudo, menos no pecado, nasceu e cresceu numa
família humana, trabalhou com mãos humanas, e passou grande parte da Sua vida
no recanto escondido de Nazaré, submisso a Maria, Sua mãe, e a José, o
carpinteiro.
Assim é
que a vida familiar constituída pelos esposos, pelos filhos, pela profissão, e
por todos os demais complexos de realidades humanas é o lugar em que Deus
expressa Seu convite à santidade, e se propõe como imagem que a família é
chamada a expressar. Tudo isso, que acontece por puro Dom de Deus, requer a
resposta humana, a adesão de cada um dos membros da família.
A
alegria, gerada nos momentos de amor e compreensão recíproca, é instrumento de
participação no gozo Pascal de Cristo, ocasião de agradecimento, louvor, e
sobretudo abertura ao mundo, mas também a dor, infalível e indispensável da
experiência humana, é instrumento de adesão da família ao mistério da cruz. E
não somente as grandes dores, mas mesmo as menores, as mais pequeninas da vida
diária, as doenças, o cansaço, o desgaste nas relações mútuas, a experiência
das limitações de seus membros, constituem fatos construtivos de uma unidade
espiritual dirigida para a Caridade que não tem fim. O que importa, de fato, é
que os cônjuges não confiem acima de tudo em si mesmos, mas tenham a lúcida
consciência de que Cristo os chamou e sustenta, e de que, à obscuridade da
crucifixão, se segue sempre a alegria da Ressurreição.
É
primeiramente dentro da realidade diária da família que o casal está no mundo a
fim de orientar o mundo para Deus. Em Cristo, a missão de cada membro da
família encontra o seu sentido: “Ser para os outros”. A família cristã não é
para si, mas para os outros; e não só os outros mais diretos e próximos, mas
para todos os homens. A família é assim o espaço em que o amor de Deus não
somente é acolhido em si mesmo, mas doado aos outros. Membros de cada família,
é necessário que nos doemos uns aos outros, mas é também imprescindível que,
juntos, nos doemos à Igreja e ao mundo. Por este caminho é que a família,
através do esforço cotidiano para vencer o próprio egoísmo e abraçar a Caridade
de Cristo, de fato se realiza.
Em cada
época histórica e em cada ambiente cultural e social, houve cônjuges que experimentaram
seu matrimônio como uma missão, como um serviço a Deus, e por isso se tornaram
sinal da unidade e fidelidade de Cristo à Igreja, através da sua própria
unidade e fidelidade mútua, unidade esta que é uma conquista diária, e
fidelidade esta que deve atingir inclusive o plano espiritual, pela
solidariedade em carregar até o fim “o peso uns dos outros” (Gl 6,2). Ambas,
unidade e fidelidade, manifestam a indissolubilidade do compromisso
matrimonial, não entendida pelos homens do Antigo Testamento, por causa da
dureza dos seus corações, mas proclamada claramente por Cristo aos fariseus (Mt
19,8).
Fonte:
Ana Carla Bessa
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Outubro de 2017
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