domingo, 1 de setembro de 2019

REFLETINDO COM SANTO AGOSTINHO

AGOSTINHO, LEITOR DA ESCRITURA.


Embora não tenha sido um tradutor, como Jerônimo havia sido, o bispo hiponiano foi um ilustre comentador dos textos sagrados. Portanto se gabaritou a ser um grande hermeneuta, interpretando o sentido do texto. E isso ocorreu a partir de sua conversão, num momento pessoal singular, que o levou, primeiramente a ser um leitor assíduo e apaixonado das escrituras. Neste relato, do próprio Agostinho, percebe-se a intensidade deste momento decisivo que fundamentou sua carreira hermenêutica:

“Por quanto tempo, por quanto tempo direi ainda: amanhã, amanhã? Por que não agora? Por que não pôr fim agora à minha indignidade? ”Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de repente, ouço uma voz vinda da casa vizinha. Parecia de um menino ou menina repetindo continuamente uma canção: “Toma e lê, toma e lê”.

Mudei de semblante e comecei com a máxima atenção a observar se se tratava de alguma cantilena que as crianças gostam de repetir em seus jogos. Não me lembrava, porém, de tê-la ouvido antes. Reprimi o pranto e levantei-me.

A única interpretação possível, para mim, era a de uma ordem divina para abrir o livro e ler as primeiras palavras que encontrasse. Tinha ouvido que Antão, assistindo por acaso a uma leitura evangélica, sentiu um chamado, como se a passagem lida fosse pessoalmente dirigida a ele: Vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me. E logo, através dessa mensagem, converteu-se a ti.

Apressado, voltei ao lugar onde Alípio ficara sentado, pois, ao levantar-me, havia deixado aí o livro do Apóstolo. Peguei–o, abri e li em silêncio o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar: Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne.

Não quis ler mais, nem era necessário. Mal terminara a leitura dessa frase, dissiparam-se em mim todas as trevas da dúvida, como se penetrasse no meu coração uma luz de certeza.

(SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 222-223.).

O que chama a atenção neste fato é o convite de uma voz misteriosa a Agostinho para ele ler, mas não como um livro qualquer, mas como um livro que, quando lesse suas primeiras palavras com o coração, sua vida tomaria outro rumo – o que de fato ocorreu. Fica claro aqui este primeiro aspecto basilar de toda hermenêutica de Agostinho que diz respeito à leitura.

A partir deste envolvimento profundo de Agostinho com a leitura das escrituras, uma enorme paixão pelo estilo da Bíblia inunda seu coração, ditada pelo Espírito.

Até mesmo aquelas objeções que tinha à Palavra, baseadas em incongruências entre o texto e os seus discursos e o testemunhos da Lei e dos Profetas, que o bispo julgava existir, começaram a se esvanecer. Pôde, inclusive, perceber que todas as virtudes que outrora havia encontrado nos textos platônicos estavam presentes nos textos bíblicos.

Contudo, admitia que não podia ouvir nestes textos do filósofo grego aquele que exclama: “Vinde a Mim, vós, os que estai cansados e sobrecarregados”, pois “escondestes estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos humildes”. (Mt 11.28; 11.25)




Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Setembro de 2019Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval NevesResponsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa – SPSite da Paróquiahttp://www.pnslourdes.com.br