O aspecto cristológico da Mariologia de
Santo Agostinho
Santo Agostinho, um dos grandes
padres da patrística latina[1],
Bispo de Hipona, pai e fundador da família agostiniana, oferece-nos uma
profunda reflexão acerca da Santíssima Virgem Maria. Suas reflexões sobre Maria
estão presentes e permanecem na Igreja. O Bispo de Hipona não escreveu nenhuma obra
exclusiva sobre Maria, porém, sua presença está marcada em seus sermões. Maria
é, antes de tudo, mulher de fé. Em Santo Agostinho, os elogios tecidos à Virgem
Maria possuem como intenção demarcar a fé da Igreja no Cristo, verdadeiro homem
e verdadeiro Deus, dogma estabelecido no Concílio I de Constantinopla. Ao que
parece é “Cipriano e Ambrósio que foram os que exerceram a máxima influencia
sobre o pensamento mariano de Agostinho”[2].
Fazemos aceno, mesmo que rapidamente, sobre o tema da Theotókos.
A
expressão Theotókos surgiu no Oriente
e ao contato com o ocidente, várias controvérsias começaram a surgir ao ponto do
Concílio Primeiro de Éfeso (celebrado no ano de 431 e convocado pelo Imperador
Teodósio) tratou sobre isso. Agostinho fora convidado, porém, falace antes (sua
morte se deu em 28 de agosto de 430). Mesmo não estando presente corporeamente,
seus escritos auxiliam os conciliares. O Concílio de Éfeso definiu que “Maria
era a Theotókos (Mãe de Deus) e isto
impulsionou a devoção mariana fazendo-a alcançar novas alturas”[3].
Santo Agostinho não se refere a Maria com esta terminologia grega, mas, tem em
mente que ela é fato a mãe de Cristo.
Agostinho não
se refere nunca a Maria como Deipara
ou Dei Genitrix (termos latinos
equivalentes ao grego Theotókos) e
prefere tratar Maria como a “Mãe do Senhor” (Mater Domini). Os africanos preferiam geralmente o termo Mater Creatoris ou Mater Salvatoris”[4].
O
centro da Teologia agostiniana é Jesus. Tratar sobre Maria é, antes de tudo, preservar
a Pessoa do Cristo, verdadeiramente Deus e homem. O tema da cooperação de Maria
no plano de salvação é abundante em seus escritos. Para ele, sublinhar os
privilégios de Maria é honrar o próprio Cristo, ou seja, “honrando Maria,
honramos a Cristo. Este é o princípio fundamental e aspecto central do culto a
Maria Santíssima na Igreja”[5].
Santo Agostinho destaca o carácter vivencial da fé de Maria. Ela é a síntese
perfeita entre fé e vida. O célebre sermão 72 A, 7, o Bispo exorta os fieis
sobre a passagem de Evangelho de Mateus 12, 47-50 onde Cristo exalta sua mãe e
a denomina como feliz em fazer a vontade do Pai. Esta é a característica do
verdadeiro seguidor de Jesus Cristo.
Prestai atenção, rogo-vos, meus irmãos, àquilo que o
Cristo Senhor diz, estendendo a mão sobre seus discípulos: “Eis minha mãe e
meus irmãos. Quem faz a vontade de meu Pai que me enviou, este é meu irmão,
irmã e mãe (Mt 12, 49-50). Acaso, não fez a vontade do Pai a Virgem Maria que
acreditou com fé (às palavras do Anjo) e que a fé concebeu; foi escolhida para
que dela nascesse a salvação entre os homens; foi criada por Cristo, e antes de
Cristo nela ter sido criado? Por certo, a santa Virgem Maria fez totalmente a
vontade do Pai, e por isso mais valeu para ela ser discípula de Cristo do que a
mãe de Cristo. Maior felicidade para ela ter sido discípula do que mãe. E
assim, esta é uma bem aventurança, porque antes de dar à luz o Mestre, ela já o
trazia em seu espírito[6].
Este
Sermão fora proferido na Catedral de Hipona. Como exegeta que era, Agostinho
afirma que Maria é mais feliz em ser discípula que em ser mãe do Senhor. Seguir
ao Filho como discípula é mais importante que ser mãe do Senhor. Honrar a Maria,
portanto, é imitá-la como seguidora já que não podemos gerar o filho. Este
sermão mostra-nos uma delicadeza para com Maria. Mesmo que “não podemos falar
que no Bispo de Hipona existe uma “alta mariologia” que predominou na Igreja
desde tempos medievais”[7],
admiramo-nos pelo requinte pastoral de sua mariologia.
Não
havia naquele tempo nenhuma festividade mariana estabelecida no Norte da
África, apesar da predileção local as pessoas por celebrações das festas dos
mártires. O mais que Agostinho se aproxima das celebrações públicas de Maria
era por ocasião das homilias do Natal do Senhor. O Natal não era somente uma
festa da encarnação: era festa de Maria[8].
Podemos
constatar neste sermão acerca da maternidade/discipulado de Maria, que
Agostinho não tinha dúvidas de que ela é realmente a mãe de Jesus Cristo (por
inteiro). Para defender isso ele recorre sempre as Sagradas Escrituras. Para
compreendermos bem o aspecto cristológico, lembramos que a concepção virginal
de Maria é núcleo primordial para a Teologia agostiniana. Maria é mãe de Cristo
Total. Esta foi a conclusão de Éfeso Primeiro: “Santa Maria, mãe de Deus”.
As ideias
matizadas de Agostinho sobre o tema (maternidade de Maria) têm de ser
contempladas no contexto de sua minuciosa doutrina do Christus Totus que reconhece a existência de uma unidade radical
entre Cristo, que é a cabeça e a Igreja, que é seu corpo[9].
Não
iremos adentrar na temática do Cristo Total, somente tocá-lo para que vejamos a
união evidenciada por Santo Agostinho entre a Divindade-humanidade de Jesus
Cristo. Sobre a maternidade virginal de Maria, a expressão “Si enim falsa mater, falsa caro, falsa mors,
falsa vulnera pasionis, falsae cicatrices ressurrectionis; non veritas credenes
in eun, sed falsitas liberabit”[10] (se
não é uma mãe verdadeira, a carne é falsa, a morte é falsa, as feridas da
paixão são falsas e falsas também são as cicatrizes da Ressurreição) mostra-nos
que Maria é colaboradora do projeto divino de salvação e portanto, cooperadora.
O gerar na fé é a participação de Maria na obra redentora de seu Filho; “Ela
não foi um mero instrumento passivo, mas, pelas virtudes da fé, obediência e
caridade, cooperou ativamente na obra da salvação”[11].
Frei Rhuam Ferreira Rodrigues de
Almeida (OAR)
Teologado Santa Mônica (São Paulo-SP)
[1] Patrística
é o nome dado à filosofia e teologia cristã católica dos três primeiros
séculos, elaborada pelos Padres ou Pais da Igreja, daí "Patrística".
[2]
FITZGERALD, Allan D. Diccionário de San
Agustín: San Agustín a través del tiempo.
Burgos: Monte
Carmelo, 1999, p. 851 (tradução livre do autor).
[3] Ibid., p. 851 (tradução livre do
autor).
[4] Ibid., p. 851 (tradução livre do
autor).
[5] AGOSTINHO, Santo. A
Virgem Maria: cem textos marianos com comentários. Tradução de Nair de
Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1996, p. 78-79.
[6] Ibid., p.11.
[7]
FITZGERALD, Allan D. Diccionário de San
Agustín: San Agustín a través del tiempo.
Burgos: Monte
Carmelo, 1999, p. 855 (tradução livre do autor).
[8] Ibid., p. 850 (tradução livre do
autor).
[9] Ibid., p. 854 (tradução livre do
autor).
[10] CAPÁNAGA,
Victorino. La Virgen María según San Agustín. Roma: Tipografia Dominicana, 1956, p.
5 (tradução livre do autor).
[11] Ibid., p. 196 (tradução livre do
autor).
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Maio de 2017
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval Neves
Responsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa – SP
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