terça-feira, 1 de maio de 2018

REFLETINDO COM SANTO AGOSTINHO


Fé e Razão

Agostinho é considerado um dos maiores pensadores do cristianismo. Ele fora o primeiro intelectual cristão que possibilitou uma síntese entre fé e razão. Para ele, a fé havia recebido da razão toda a clareza necessária para a sua autocompreensão, ao passo que a razão havia ganhado estímulo e impulso da fé. Havia chegado o momento de diálogo entre a fé a inteligência humana, por séculos desprezado por muitos padres da Igreja, sobretudo nos primeiros séculos onde se encontram filosofia helenística e cristianismo.

Para que melhor se conheça a grandeza e a profundidade da sentença agostiniana, faz-se mister conhecer os elementos que influenciaram na construção de seu pensamento. Somente situando e contextualizando suas experiências torna-se possível chegar às raízes de sua síntese.

É interessante perceber que Agostinho situa-se na passagem do mundo greco-romano para a Idade Média, cujo valor preponderante é o cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem. Alimentou-se dos resquícios da cultura helênica para depois, converter-se à fé cristã. Ao romper com o passado, introduzindo uma noção de Deus alheia à filosofia de até então, Agostinho o faz de um modo que caracteriza uma certa continuidade da tradição filosófica.[1]

No período anterior à sua conversão ele teve contato com as obras de Cícero, as categorias de Aristóteles e foi arrastado pelos maniqueístas.[2] Depois recebeu uma forte influência do neoplatonismo de Plotino. Sendo assim, por muito tempo Agostinho trilhou pelos caminhos dessas diversas tendências filosóficas do seu tempo. Após a decisiva influência do Bispo Santo Ambrósio, ele passaria a novos horizontes que indicariam o caminho da fé. A experiência da fé tornou-se a substância de vida e de pensamento. Estimulado e comprovado pela fé, seu pensamento adquiriu nova estatura e nova essência. “Nascia o filosofar-na-fé, nascia a filosofia cristã, amplarmente preparada pelos padres gregos, mas que só iria chegar ao perfeito amadurecimento com Agostinho”.[3]

O que se constata é que a história de vida de Agostinho, juntamente com todas as suas experiências de vida foram determinantes para a sua maturidade intelectual e espiritual. Rompendo com uma antiga cisão entre fé e razão, típica dos padres antigos, com exceção de uns poucos, ele fez a ponte de ligação entre essas duas formas de manifestações do conhecimento humano, ou seja, a compreensão como forma de crer e o crer como forma de compreender. No seu tempo havia se tornado emblemática a expressão de Tertuliano (155-220) que traduzia esse clima de tensão entre a fé e razão: “Creio porque é absurdo”.

Em Agostinho encontra-se a síntese perfeita entre essas duas modalidades de conhecimento humano. Para ele o homem crer porque compreende e compreende porque crer.

Na perspectiva de Reale “a solução de Agostinho é um círculo hermenêutico. Este significa que todo conhecimento pressupõe pré-conhecimentos apreendidos por outro caminho, que podem depois ser confirmados, desmentidos e modificados. A fé é, portanto um pré-conhecimento em relação à razão, mas a razão depois pode e deve transpor criticamente as verdades de fé”.[4]

Para Agostinho a fé não substitui e muito menos elimina a inteligência. Não se trata de realidades antagônicas, mas convergentes. Em sua perspectiva a fé estimula e promove a razão. Para ele, a fé se traduz como um modo de pensar com assentimento por parte daquele que pensa. O homem pensa e ao fazer fazê-lo se debruça naquilo que stá pensando. Sem o pensamento não haveria fé. Ainda que as verdades da fé não sejam demonstráveis, isto é, passíveis de prova, é possível demonstrar o acerto de se crer nelas, e essa tarefa cabe à razão. E pode-se dizer o mesmo em relação à razão. Ela não elimina a fé, mas ao contrário, fortalece-a e ambas se complementam. O homem não pode crê em alguma coisa desprovido de um conhecimento daquilo que o faz crer; do mesmo modo ele não pode pensar sem crer naquilo em que se crê. A máxima agostiniana leva o homem a ver o mundo dentro dessas duas realidades que se entrecruzam. Não se pode separar essas duas vertentes do conhecimento. “O homem olha para o que é verdadeiro tanto com a fé como com a inteligência”.[5] Assim, a verdade só pode ser assegurada por algo que se coloque acima dos homens e das coisas: Deus. Se a razão, na busca de sua certeza depara com a fé em Deus, é também a fé que permite resgatar a dignidade da razão. E desse modo, nessa mútua relação, tanto a fé como a razão vai guiando o homem ao caminho da verdade.

(1) Cf. ABRÃO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo:Nova Cultura, 1999, p.99.
(2) Os maniqueístas eram membros de uma seita fundada pelo sábio persa Mani (2015-275) e que tinha como fundamento a crença de que existem dois princípios que regeram o mundo: o bem e o mal.
(3) REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia V.2. São Paulo: Paulus, 2003, p.88.
(4) Ibidem.

Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Maio de 2018
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval Neves
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