Fé e Razão
Agostinho é considerado um dos maiores pensadores do
cristianismo. Ele fora o primeiro intelectual cristão que possibilitou uma
síntese entre fé e razão. Para ele, a fé havia recebido da razão toda a clareza
necessária para a sua autocompreensão, ao passo que a razão havia ganhado
estímulo e impulso da fé. Havia chegado o momento de diálogo entre a fé a
inteligência humana, por séculos desprezado por muitos padres da Igreja,
sobretudo nos primeiros séculos onde se encontram filosofia helenística e
cristianismo.
Para que melhor se conheça a grandeza e a profundidade da
sentença agostiniana, faz-se mister conhecer os elementos que influenciaram na
construção de seu pensamento. Somente situando e contextualizando suas
experiências torna-se possível chegar às raízes de sua síntese.
É interessante perceber que Agostinho situa-se na passagem do
mundo greco-romano para a Idade Média, cujo valor preponderante é o
cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem. Alimentou-se
dos resquícios da cultura helênica para depois, converter-se à fé cristã. Ao
romper com o passado, introduzindo uma noção de Deus alheia à filosofia de até
então, Agostinho o faz de um modo que caracteriza uma certa continuidade da
tradição filosófica.[1]
No período anterior à sua conversão ele teve contato com as
obras de Cícero, as categorias de Aristóteles e foi arrastado pelos
maniqueístas.[2] Depois recebeu uma forte
influência do neoplatonismo de Plotino. Sendo assim, por muito tempo Agostinho
trilhou pelos caminhos dessas diversas tendências filosóficas do seu tempo.
Após a decisiva influência do Bispo Santo Ambrósio, ele passaria a novos
horizontes que indicariam o caminho da fé. A experiência da fé tornou-se a
substância de vida e de pensamento. Estimulado e comprovado pela fé, seu
pensamento adquiriu nova estatura e nova essência. “Nascia o filosofar-na-fé,
nascia a filosofia cristã, amplarmente preparada pelos padres gregos, mas que
só iria chegar ao perfeito amadurecimento com Agostinho”.[3]
O que se constata é que a história de vida de Agostinho,
juntamente com todas as suas experiências de vida foram determinantes para a
sua maturidade intelectual e espiritual. Rompendo com uma antiga cisão entre fé
e razão, típica dos padres antigos, com exceção de uns poucos, ele fez a ponte
de ligação entre essas duas formas de manifestações do conhecimento humano, ou
seja, a compreensão como forma de crer e o crer como forma de compreender. No
seu tempo havia se tornado emblemática a expressão de Tertuliano (155-220) que
traduzia esse clima de tensão entre a fé e razão: “Creio porque é absurdo”.
Em Agostinho encontra-se a síntese perfeita entre essas duas
modalidades de conhecimento humano. Para ele o homem crer porque compreende e
compreende porque crer.
Na perspectiva de Reale “a solução de Agostinho é um círculo
hermenêutico. Este significa que todo conhecimento pressupõe pré-conhecimentos
apreendidos por outro caminho, que podem depois ser confirmados, desmentidos e
modificados. A fé é, portanto um pré-conhecimento em relação à razão, mas a razão
depois pode e deve transpor criticamente as verdades de fé”.[4]
Para Agostinho a fé não
substitui e muito menos elimina a inteligência. Não se trata de realidades
antagônicas, mas convergentes. Em sua perspectiva a fé estimula e promove a
razão. Para ele, a fé se traduz como um modo de pensar com assentimento por
parte daquele que pensa. O homem pensa e ao fazer fazê-lo se debruça naquilo
que stá pensando. Sem o pensamento não haveria fé. Ainda que as verdades da fé
não sejam demonstráveis, isto é, passíveis de prova, é possível demonstrar o
acerto de se crer nelas, e essa tarefa cabe à razão. E pode-se dizer o mesmo em
relação à razão. Ela não elimina a fé, mas ao contrário, fortalece-a e ambas se
complementam. O homem não pode crê em alguma coisa desprovido de um
conhecimento daquilo que o faz crer; do mesmo modo ele não pode pensar sem crer
naquilo em que se crê. A máxima agostiniana leva o homem a ver o mundo dentro
dessas duas realidades que se entrecruzam. Não se pode separar essas duas
vertentes do conhecimento. “O homem olha para o que é verdadeiro tanto com a fé
como com a inteligência”.[5] Assim, a
verdade só pode ser assegurada por algo que se coloque acima dos homens e das
coisas: Deus. Se a razão, na busca de sua certeza depara com a fé em Deus, é
também a fé que permite resgatar a dignidade da razão. E desse modo, nessa
mútua relação, tanto a fé como a razão vai guiando o homem ao caminho da
verdade.
(1) Cf. ABRÃO, Bernadette
Siqueira. História da Filosofia. São Paulo:Nova Cultura, 1999, p.99.
(2) Os maniqueístas eram
membros de uma seita fundada pelo sábio persa Mani (2015-275) e que tinha como
fundamento a crença de que existem dois princípios que regeram o mundo: o bem e
o mal.
(3) REALI, Giovanni;
ANTISERI, Dario. História da Filosofia V.2. São Paulo: Paulus, 2003, p.88.
(4) Ibidem.
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Maio de 2018
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval NevesResponsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa – SP
Site da Paróquia: http://www.pnslourdes.com.br