Santo Agostinho e Maria como o tipo e figura da Igreja
INTRODUÇÃO
A
Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, trazendo um
ensino plurissecular da Igreja nos lembra dum ponto importante, o ensino de que
Maria é o tipo da Igreja:
“(...) Pelo dom e missão da maternidade
divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e
funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o
tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com
Cristo, como já ensinava S. Ambrósio [1]. Com efeito, no
mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a
bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem
e de mãe [2].
Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por
obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou
sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro
celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos
irmãos (Rom. 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e
educação Ela coopera com amor de mãe. (...)”
Considerando
que “(...) os vínculos entre a Igreja e a Virgem Maria não são só numerosos e
estreitos. São essenciais. Estão tecidos desde o interior. (...)” (LUBAC,
1989), durante a leitura deste texto o leitor poderá conferir como Santo
Agostinho demonstrava seu apreço à virgem Maria. Ao longo de suas obras ele
elenca algumas atribuições da Igreja, como a virgindade, a maternidade e a
pureza, associando diversas vezes com a Mãe do Senhor, testemunhando, assim, um
pensamento profundamente católico, uma mariologia absolutamente eclesiocêntrica
e, por isso, cristocêntrica. Vejamos, agora, alguns destes pontos:
IGREJA
VIRGINAL: MODELO DE MARIA
Agostinho,
em diversas vezes, identifica as qualidades da Igreja, de ser “mãe e virgem”,
afirmando que esta teve como modelo a Virgem Maria. Não faz esta relação apenas
quanto ao aspecto corporal, mas também para ele Maria é mãe e virgem no aspecto
espiritual: com a diferença de que a Igreja o é apenas segundo o espírito.
“(...)Ora,
já que a Igreja universal é uma virgem desposada a um único esposo, que é
Cristo, como diz o Apóstolo (2Cor 11,2), quão dignos de honra não hão de ser
aqueles seus membros que guardam, em sua carne, o que toda a Igreja guarda na
fé? Ela, que toma como modelo a mãe de seu
esposo e Senhor. Pois a Igreja também é mãe e virgem.(...)” (De
Virginitate, 2)
“(...) Com efeito, há um matrimônio
espiritual no qual temos que viver com o máximo de castidade, uma vez que Cristo
concedeu à sua Igreja, no espírito, o que sua mãe possuía no corpo: ser mãe e
virgem. (...)”
(Sermão 138,9).
“(...) Maria era virgem antes da concepção e
depois do parto. (...) A Igreja, pois, imita a mãe do seu
Senhor: uma vez que corporalmente não pode ser mãe e virgem ao mesmo tempo, o é
no espírito. (...)”
(Sermão 191 2,3)
“(…) Somente
Maria, portanto,
é mãe e virgem, no espírito e no corpo. É Mãe de Cristo e também Virgem de
Cristo. Mas a Igreja, nos
santos que hão de possuir o reino de Deus, é, segundo o espírito, toda ela mãe e
toda ela virgem de Cristo. (…)”
(De Virginitate 6,6)
IGREJA,
NOSSA MÃE: ASSIM COMO MARIA
Para
Santo Agostinho, Maria é certamente mãe dos membros do corpo de Cristo:
"(...) É porque, entre
todas as mulheres, Maria é a única a ser ao mesmo tempo virgem e mãe, não
somente pelo espírito, mas também pelo corpo. Ela é mãe conforme o
espírito, não de quem é nossa Cabeça, isto é, do Salvador do qual ela nasceu
espiritualmente. Pois todos os que nele creram — e nesse número ela mesma se
encontra — são chamados com razão “filhos do esposo” (Mt 9,15). Mas
ela é certamente a mãe de seus membros — que somos nós — porque cooperou com
sua caridade para que nascessem os fiéis na Igreja, os membros
desta divina Cabeça, da qual ela mesma é a verdadeira mãe conforme a carne. (...)" - (De Virginitate 6,6)
Posto
que, se a Igreja dá à luz aos membros de Cristo, é grandíssima a semelhança com
Maria:
“(...) Assim, a Igreja é virgem. É virgem e
permanece assim. Guarde-se do sedutor, para evitar a corrupção. A Igreja é
virgem. Talvez você me diga: “Se é virgem, como dá luz a filhos?”, ou, se não
dá à luz a filhos: “Como é que nós podemos nascer de suas entranhas?”.
Respondo: «É virgem e dá
à luz. Imita a Maria, que deu à luz ao Senhor».
Por acaso Santa Maria não deu à luz sendo e permanecendo virgem? Assim também a
Igreja: dá à luz e é virgem. E, se você pensar nisso atentamente, dá à luz a
Cristo, posto que os batizados são seus membros. Disse o apóstolo: vocês são o
Corpo de Cristo e seus membros. Se, pois, dá à luz aos membros de
Cristo, a semelhança com Maria é grandíssima.(...)” (Sermão
213,7)
Já que
para ele, assim como a Igreja, Maria é mãe da unidade entre muitos:
“(...) Forma (a Igreja) aos
povos, mas todos são membros de um só, de quem ela é corpo e
esposa, sendo também nisto semelhante àquela virgem que também é mãe da
unidade entre muitos. (...)”
(Sermão 192, 2)
Gerando
a cada dia novos membros do corpo de Cristo:
“(...) Ele nasceu da Virgem Maria, como toda
a Igreja confessa, que à imitação da mãe de Cristo, sendo
virgem, gera a cada dia novos membros de Cristo. Você pode ler, se te agradar, acerca
da virgindade de Maria em minha carta a Volusiano, varão ilustre, a quem cito
com muita estima.(...)”. (Enchiridion, 34)
MARIA:
FIGURA E MEMBRO ÍMPAR DA IGREJA
Nota-se,
logo abaixo, que Agostinho nos diz (conforme os ensinos do Concílio de Éfeso)
que Maria não é mãe da natureza divina de Cristo. Ele também nos diz, em
consonância com o ensino da Igreja, que ela é um membro do corpo de Cristo:
“(...) Maria, portanto, ao fazer a vontade de
Deus, é corporalmente só a mãe de Cristo,
mas espiritualmente é também sua mãe e irmã.(...)” (De
Virginitate, 5)
Agostinho
não fica por aí. Ele ainda tece elogios e paralelos entre Maria e a Igreja,
reconhecendo a supereminência e singularidade que ela ocupa na Igreja:
"(...) Maria é parte da Igreja, membro
santo, membro supereminente. (...)".
(Sermão 72A,7).
Proclamando
abertamente, por fim, que ela é figura da Igreja:
"(...) A
Virgem Maria assumiu a dianteira na Igreja enquanto é figura dela. Por que - vos pergunto - Maria é
mãe de Cristo ou porque deu à luz aos membros de Cristo? Vocês, a quem me
dirijo, sois membros de Cristo: quem deu à luz a vocês? Ouçam a voz de vosso
coração: A mãe Igreja! Esta mãe santa e
honorável, assim como Maria, dá à luz e é virgem.(...)" -
(Sermão 72A, 8.)
IGREJA
SEM PECADO, MARIA SEM PECADO
Levando
em conta que para Agostinho Maria é claramente figura da Igreja, ao possuir características
desta, quando desdobrarmos a teologia de santo Agostinho sobre a pureza de
Maria com relação ao pecado, verificamos que há também neste ponto um paralelo
com a Igreja:
“(...)Devemos excluir a santa Virgem Maria,
a respeito da qual eu não gostaria de levantar qualquer questão quando o
assunto é pecado, em honra ao Senhor, porque Dele
sabemos qual abundância de graça para vencer o pecado em cada detalhe foi
conferido a ela que teve o mérito de conceber e suportar aquele que, sem
dúvida, não tinha pecado.(...)” (Sobre a natureza e a graça, 36)
Para
ele, quando se trata de pecado, devemos excluir o “membro santo” da Igreja (cf.
Sermão 72A,7), porque sabemos que uma “abundância de graça foi conferida a ela”
(cf. Sobre a natureza e a graça, 36).
Ora,
também dizem as Escrituras que a Igreja é santa, irrepreensível:
“(…) Para a apresentar a si mesmo Igreja
gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa
e irrepreensível.(…)” (Efésios 5,27)
CONCLUSÕES
Depois
de observarmos as palavras de Agostinho sobre a imagem da Igreja que se revela
em Maria, como que num espelho, damos razão ao que diz o então cardeal
Ratzinger:
“(...) no tempo dos Padres foi esquematizada
na eclesiologia toda mariologia, embora sem nomear o nome da Mãe do Senhor: a Virgo
Ecclesia, a Mater
Ecclesia, a Ecclesia immaculata, a Ecclesia
assumpta – tudo o que
mais tarde será mariologia foi primeiro pensado como eclesiologia. (...)” (RATZINGER, 2004).
Com a
diferença que Agostinho deixou explícita em sua eclesiologia a relação desta
com Maria, evidenciando o que há séculos a teologia católica vem fazendo.
Também, o teólogo Hans Urs von Balthasar salienta isto:
“(...) Evidentemente, os Padres vêem também a
parte de dissemelhança própria desta analogia: somente Maria gerou corporalmente
o Filho de Deus; os outros cristãos devem imitá-la fazendo isso espiritualmente
(é Agostinho quem mais
insiste nesta dissemelhança na semelhança). Mas vêem-se
obrigados a relativizar tal parede divisória – por si mesma insuperável –,
quando consideram que Maria é o tipo da Igreja não como sua simples
“prefiguração” (assim como os tipos veterotestamentários prefiguravam as
verdades da nova aliança), mas como seu modelo original, ou seja, como a
“ideia” realizada de maneira perfeita e insuperável, e por esta razão ela é a
única a corresponder de maneira adequada e congruente à Igreja como
“cooperadora” de Cristo também na ação pessoal que desenvolve no interior da
comunidade dos santos. (...)”
(BALTHASAR, 1979).
Fica
demonstrado nestas poucas palavras que Santo Agostinho, longe de ter um
pensamento protestante ou acatólico, expunha de maneira magistral definições
mariológicas que a Igreja irá utilizar através dos séculos, até nossa época.
NOTAS
[1] S.
Ambrósio, Expos.
U. II, 7: PL 15, 1555.
[2] Cfr.
Ps. - Pedro Dam., Serm.
63: PL 144, 861 AB.-Godofredo de S. Victor. In nat. B. M.,
Ms. Paris, Mazarine, 1002, fol. 109 r. - Gerhohus Reich, De gloria et honore Filii hominis,
10: PL 194, 1105 AB.
REFERÊNCIAS
BALTHASAR,
Hans Urs von; RATZINGER, Joseph Aloisius. Maria a primeira Igreja.
Gráfica de Coimbra, 2004. p.23.
BALTHASAR,
Hans Urs von; et al. O Culto a Maria Hoje,
subsídio teológico-pastoral elaborado sob a direção de Wolfgang Beinert;
(traduziu Luiz João Gaio; revisão de Luiz A. Miranda). – São Paulo:
Ed. Paulinas, 1979, p. 319.
LUBAC, Henri de. Meditación sobre la Iglesia,
Ed. Encuentro, Madrid,
1989, p. 338.
OLIVEIRA,
L.H. Santo Agostinho e Maria como o tipo e figura da Igreja. Disponível em: http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/842-santo-agostinho-e-maria-como-o-tipo-e-figura-da-igreja Desde: 20/12/2015.
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Maio de 2016
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