quarta-feira, 4 de maio de 2016

REFLETINDO COM SANTO AGOSTINHO


Santo Agostinho e Maria como o tipo e figura da Igreja
INTRODUÇÃO
A Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, trazendo um ensino plurissecular da Igreja nos lembra dum ponto importante, o ensino de que Maria é o tipo da Igreja:
“(...) Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio [1]. Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe [2]. Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rom. 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe. (...)”
Considerando que “(...) os vínculos entre a Igreja e a Virgem Maria não são só numerosos e estreitos. São essenciais. Estão tecidos desde o interior. (...)” (LUBAC, 1989), durante a leitura deste texto o leitor poderá conferir como Santo Agostinho demonstrava seu apreço à virgem Maria. Ao longo de suas obras ele elenca algumas atribuições da Igreja, como a virgindade, a maternidade e a pureza, associando diversas vezes com a Mãe do Senhor, testemunhando, assim, um pensamento profundamente católico, uma mariologia absolutamente eclesiocêntrica e, por isso, cristocêntrica. Vejamos, agora, alguns destes pontos:
IGREJA VIRGINAL: MODELO DE MARIA
Agostinho, em diversas vezes, identifica as qualidades da Igreja, de ser “mãe e virgem”, afirmando que esta teve como modelo a Virgem Maria. Não faz esta relação apenas quanto ao aspecto corporal, mas também para ele Maria é mãe e virgem no aspecto espiritual: com a diferença de que a Igreja o é apenas segundo o espírito.
 “(...)Ora, já que a Igreja universal é uma virgem desposada a um único esposo, que é Cristo, como diz o Apóstolo (2Cor 11,2), quão dignos de honra não hão de ser aqueles seus membros que guardam, em sua carne, o que toda a Igreja guarda na fé? Ela, que toma como modelo a mãe de seu esposo e Senhor. Pois a Igreja também é mãe e virgem.(...)” (De Virginitate, 2)
“(...) Com efeito, há um matrimônio espiritual no qual temos que viver com o máximo de castidade, uma vez que Cristo concedeu à sua Igreja, no espírito, o que sua mãe possuía no corpo: ser mãe e virgem. (...)” (Sermão 138,9).
 “(...) Maria era virgem antes da concepção e depois do parto. (...) A Igreja, pois, imita a mãe do seu Senhor: uma vez que corporalmente não pode ser mãe e virgem ao mesmo tempo, o é no espírito. (...)” (Sermão 191 2,3)
 “(…) Somente Maria, portanto, é mãe e virgem, no espírito e no corpo. É Mãe de Cristo e também Virgem de Cristo. Mas a Igreja, nos santos que hão de possuir o reino de Deus, é, segundo o espírito, toda ela mãe e toda ela virgem de Cristo. (…)” (De Virginitate 6,6)
IGREJA, NOSSA MÃE: ASSIM COMO MARIA
Para Santo Agostinho, Maria é certamente mãe dos membros do corpo de Cristo:
"(...) É porque, entre todas as mulheres, Maria é a única a ser ao mesmo tempo virgem e mãe, não somente pelo espírito, mas também pelo corpo. Ela é mãe conforme o espírito, não de quem é nossa Cabeça, isto é, do Salvador do qual ela nasceu espiritualmente. Pois todos os que nele creram — e nesse número ela mesma se encontra — são chamados com razão “filhos do esposo” (Mt 9,15). Mas ela é certamente a mãe de seus membros — que somos nós — porque cooperou com sua caridade para que nascessem os fiéis na Igreja, os membros desta divina Cabeça, da qual ela mesma é a verdadeira mãe conforme a carne. (...)" - (De Virginitate 6,6)
Posto que, se a Igreja dá à luz aos membros de Cristo, é grandíssima a semelhança com Maria:
“(...) Assim, a Igreja é virgem. É virgem e permanece assim. Guarde-se do sedutor, para evitar a corrupção. A Igreja é virgem. Talvez você me diga: “Se é virgem, como dá luz a filhos?”, ou, se não dá à luz a filhos: “Como é que nós podemos nascer de suas entranhas?”. Respondo: «É virgem e dá à luz. Imita a Maria, que deu à luz ao Senhor». Por acaso Santa Maria não deu à luz sendo e permanecendo virgem? Assim também a Igreja: dá à luz e é virgem. E, se você pensar nisso atentamente, dá à luz a Cristo, posto que os batizados são seus membros. Disse o apóstolo: vocês são o Corpo de Cristo e seus membros. Se, pois, dá à luz aos membros de Cristo, a semelhança com Maria é grandíssima.(...)” (Sermão 213,7)
Já que para ele, assim como a Igreja, Maria é mãe da unidade entre muitos:
 “(...) Forma (a Igreja) aos povos, mas todos são membros de um só, de quem ela é corpo e esposa, sendo também nisto semelhante àquela virgem que também é mãe da unidade entre muitos. (...)” (Sermão 192, 2)
Gerando a cada dia novos membros do corpo de Cristo:
“(...) Ele nasceu da Virgem Maria, como toda a Igreja confessa, que à imitação da mãe de Cristo, sendo virgem, gera a cada dia novos membros de Cristo. Você pode ler, se te agradar, acerca da virgindade de Maria em minha carta a Volusiano, varão ilustre, a quem cito com muita estima.(...)”. (Enchiridion, 34)
MARIA: FIGURA E MEMBRO ÍMPAR DA IGREJA
Nota-se, logo abaixo, que Agostinho nos diz (conforme os ensinos do Concílio de Éfeso) que Maria não é mãe da natureza divina de Cristo. Ele também nos diz, em consonância com o ensino da Igreja, que ela é um membro do corpo de Cristo:
“(...) Maria, portanto, ao fazer a vontade de Deus, é corporalmente só a mãe de Cristo, mas espiritualmente é também sua mãe e irmã.(...)” (De Virginitate, 5)
Agostinho não fica por aí. Ele ainda tece elogios e paralelos entre Maria e a Igreja, reconhecendo a supereminência e singularidade que ela ocupa na Igreja:
"(...) Maria é parte da Igreja, membro santo, membro supereminente. (...)". (Sermão 72A,7).
Proclamando abertamente, por fim, que ela é figura da Igreja:
"(...) A Virgem Maria assumiu a dianteira na Igreja enquanto é figura dela. Por que - vos pergunto - Maria é mãe de Cristo ou porque deu à luz aos membros de Cristo? Vocês, a quem me dirijo, sois membros de Cristo: quem deu à luz a vocês? Ouçam a voz de vosso coração: A mãe Igreja! Esta mãe santa e honorável, assim como Maria, dá à luz e é virgem.(...)" - (Sermão 72A, 8.)
IGREJA SEM PECADO, MARIA SEM PECADO
Levando em conta que para Agostinho Maria é claramente figura da Igreja, ao possuir características desta, quando desdobrarmos a teologia de santo Agostinho sobre a pureza de Maria com relação ao pecado, verificamos que há também neste ponto um paralelo com a Igreja:
 “(...)Devemos excluir a santa Virgem Maria, a respeito da qual eu não gostaria de levantar qualquer questão quando o assunto é pecado, em honra ao Senhor, porque Dele sabemos qual abundância de graça para vencer o pecado em cada detalhe foi conferido a ela que teve o mérito de conceber e suportar aquele que, sem dúvida, não tinha pecado.(...)” (Sobre a natureza e a graça, 36)
Para ele, quando se trata de pecado, devemos excluir o “membro santo” da Igreja (cf. Sermão 72A,7), porque sabemos que uma “abundância de graça foi conferida a ela” (cf. Sobre a natureza e a graça, 36).
Ora, também dizem as Escrituras que a Igreja é santa, irrepreensível:
“(…) Para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.(…)” (Efésios 5,27)
CONCLUSÕES
Depois de observarmos as palavras de Agostinho sobre a imagem da Igreja que se revela em Maria, como que num espelho, damos razão ao que diz o então cardeal Ratzinger:
 “(...) no tempo dos Padres foi esquematizada na eclesiologia toda mariologia, embora sem nomear o nome da Mãe do Senhor: a Virgo Ecclesia, a Mater Ecclesia, a Ecclesia immaculata, a Ecclesia assumpta – tudo o que mais tarde será mariologia foi primeiro pensado como eclesiologia. (...)” (RATZINGER, 2004).
Com a diferença que Agostinho deixou explícita em sua eclesiologia a relação desta com Maria, evidenciando o que há séculos a teologia católica vem fazendo. Também, o teólogo Hans Urs von Balthasar salienta isto:
“(...) Evidentemente, os Padres vêem também a parte de dissemelhança própria desta analogia: somente Maria gerou corporalmente o Filho de Deus; os outros cristãos devem imitá-la fazendo isso espiritualmente (é Agostinho quem mais insiste nesta dissemelhança na semelhança). Mas vêem-se obrigados a relativizar tal parede divisória – por si mesma insuperável –, quando consideram que Maria é o tipo da Igreja não como sua simples “prefiguração” (assim como os tipos veterotestamentários prefiguravam as verdades da nova aliança), mas como seu modelo original, ou seja, como a “ideia” realizada de maneira perfeita e insuperável, e por esta razão ela é a única a corresponder de maneira adequada e congruente à Igreja como “cooperadora” de Cristo também na ação pessoal que desenvolve no interior da comunidade dos santos. (...)” (BALTHASAR, 1979).
Fica demonstrado nestas poucas palavras que Santo Agostinho, longe de ter um pensamento protestante ou acatólico, expunha de maneira magistral definições mariológicas que a Igreja irá utilizar através dos séculos, até nossa época.
NOTAS
[1] S. Ambrósio, Expos. U. II, 7: PL 15, 1555.
[2] Cfr. Ps. - Pedro Dam., Serm. 63: PL 144, 861 AB.-Godofredo de S. Victor. In nat. B. M., Ms. Paris, Mazarine, 1002, fol. 109 r. - Gerhohus Reich, De gloria et honore Filii hominis, 10: PL 194, 1105 AB.
REFERÊNCIAS
BALTHASAR, Hans Urs von; RATZINGER, Joseph Aloisius. Maria a primeira Igreja. Gráfica de Coimbra, 2004. p.23.
BALTHASAR, Hans Urs von; et al. O Culto a Maria Hoje, subsídio teológico-pastoral elaborado sob a direção de Wolfgang Beinert; (traduziu Luiz João Gaio; revisão de  Luiz A. Miranda). – São Paulo: Ed. Paulinas, 1979, p. 319.
LUBAC, Henri de. Meditación sobre la Iglesia, Ed. Encuentro, Madrid, 1989, p. 338.

OLIVEIRA, L.H. Santo Agostinho e Maria como o tipo e figura da Igreja. Disponível em: http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/842-santo-agostinho-e-maria-como-o-tipo-e-figura-da-igreja Desde: 20/12/2015.

Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Maio de 2016
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