Vaticano
MUDANÇAS NA CÚRIA ROMANA
O papa Francisco fez no dia 21 de setembro, algumas alterações na cúria romana.
O pontífice aceitou o pedido de renúncia, por limite de idade, do cardeal Manuel Monteiro de Castro como penitenciário-mor e nomeou como seu sucessor o cardeal Mauro Piacenza, até então prefeito da Congregação para o Clero;
Na Congregação para a Doutrina da Fé: confirmou como prefeito Dom Gerhard Ludwig Müller; como secretário dom Luis Francisco Ladaria Ferrer; e nomeou secretário adjunto dom Joseph Augustine Di Noia, até então vice-presidente da Pontifícia Comissão «Ecclesia Dei»; confirmou ainda os membros e os consultores, nomeando como novo consultor dom Giuseppe Sciacca, secretário adjunto do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica;
Na Congregação para a Evangelização dos Povos: confirmou como prefeito o cardeal Fernando Filoni; como secretário Dom Savio HonTai-Fai; como secretário adjunto dom Protase Rugambwa; e todos os membros e consultores do Dicastério;
Na Congregação para o Clero: nomeou como prefeito o arcebispo Dom Beniamino Stella, até então presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica; confirmou como secretário dom Celso MorgaIruzubieta; e nomeou como secretário para os Seminários dom Jorge Carlos Patrón Wong, elevando-o à dignidade de arcebispo;
Na Administração do Patrimônio da Sé Apostólica: nomeou delegado da Seção Ordinária o Mons. Mauro Rivella, do clero da arquidiocese de Turim.
O Santo Padre nomeou núncio apostólico na Alemanha dom Nikola Eterovic, até então secretário geral do Sínodo dos Bispos, e chamou para suceder-lhe no mesmo cargo dom Lorenzo Baldisseri, até então secretário da Congregação para os Bispos.
Por fim, o pontífice nomeou como núncio apostólico e presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica o Mons. Giampiero Gloder, Conselheiro de Nunciatura, elevando-o a dignidade de arcebispo.
O papa Francisco nomeou ainda como núncio apostólico em Serra Leoa dom Miroslaw Adamczyk, até então núncio na Libéria e Gâmbia.
Fonte: Rádio Vaticano.
Carta
aberta do Papa Francisco ao Jornal La Repubblica
Segue, na íntegra, a carta do papa
Francisco, publicada no jornal La Republica,
no dia 11 de setembro, em resposta a dois editoriais (7 de julho e 7 de agosto)
do jornalista fundador do jornal italiano, Eugenio Scalfari, sobre questões
relacionadas à fé e à vida cristã, tendo como referência a Encíclica Lumen Fidei .
Vaticano, 4 de setembro de
2013
Caríssimo Dr.
Scalfari, é com viva cordialidade que, ainda que em linhas gerais, gostaria de
responder, com esta minha carta, à que o Sr. pelas páginas [do jornal]
República, escreveu-me, dia 07 de julho, com uma série de reflexões pessoais,
que posteriormente aprofundou, no mesmo jornal, dia 07 de agosto.
Agradeço-lhe, antes
de tudo, pela atenção com a qual leu a Encíclica Lumen Fidei. Ela, na intenção
de meu amado predecessor, Bento XVI, que a concebeu e em grande medida a
redigiu, e de quem, com gratidão, eu herdei, tem por finalidade não só
confirmar na fé em Jesus Cristo os que já se reconhecem nessa fé, mas também
suscitar um diálogo sincero e rigoroso com quem, como o Sr., se define “um não
crente há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de
Nazaré”.
Parece-me, portanto,
que seja positivo, não só para nós pessoalmente, mas também para a sociedade em
que vivemos concentrar-nos no diálogo a respeito de uma realidade importante
como é a fé, que se refere à pregação e à figura de Jesus. Penso que há duas
circunstâncias, em particular, que tornam hoje esse diálogo necessário e
precioso.
Ele, afinal, constitui,
como é sabido, um dos principais objetivos do Concílio Vaticano II – querido
por João XXIII – e do ministério dos Papas que, cada um com sua sensibilidade e
sua contribuição, daquela ocasião até hoje caminharam no sulco traçado pelo
Concílio.
A primeira
circunstância – como se destaca nas páginas iniciais da Encíclica – deriva do
fato que, ao longo dos séculos da modernidade, se tem assistido a um paradoxo:
a fé cristã, cuja novidade e incidência na vida do homem desde o início se
expressou com o símbolo da luz, foi considerada como superstição obscura,
oposta à luz da razão. Assim se chegou a um estado de incomunicação entre a
Igreja e a cultura de inspiração cristã, por um lado, e a cultura moderna de
cunho iluminista, por outro. Chegou, porém, o tempo de um diálogo aberto e sem
preconceitos, que reabra as portas de um sério e fecundo encontro. O Vaticano
II inaugurou esta estação.
A segunda
circunstância, para quem procura ser fiel ao dom do seguimento de Jesus à luz
da fé, deriva do fato que este diálogo não é um acessório secundário da
existência de quem crê. Ao contrário, é uma expressão íntima e indispensável
[dessa existência]. Permita-me citar, a propósito, uma afirmação que considero
muito importante da Encíclica: como a verdade testemunhada pela fé é a verdade
do amor – ali se sublinha – “é claro que a fé não é intransigente, mas cresce
na convivência que respeita o outro. Quem crê não é arrogante; ao contrário, a
verdade o faz humilde, sabendo que mais do que nós a possuirmos, é ela que nos
circunda e possui. Longe de enrijecer-nos, a segurança da fé nos põe a caminho
e torna possível o testemunho e o diálogo com todos” (n. 34). É este o espírito
que anima as palavras que escrevo.
A fé, para mim, nasce
do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou meu coração e deu uma
nova direção e um novo sentido à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um
encontro tornado possível pela comunidade de fé na qual eu vivi e graças à qual
encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova que como
fluxo de água jorrando de Jesus através dos Sacramentos, à fraternidade para
com todos e a serviço dos pobres, verdadeira imagens do Senhor. Sem a Igreja, -
creia-me – não teria podido encontrar Jesus, apesar de estar ciente de que este
dom imenso que é a fé está guardado nos vasos da frágil argila de nossa
humanidade.
É precisamente a
partir daqui, desta experiência pessoal de fé vivida na Igreja, que me sinto à
vontade para escutar suas questões e para procurar, junto com o Sr., os
caminhos ao longo dos quais poderemos, talvez, começar a fazer juntos um
percurso.
Perdoe-me se não sigo
passo a passo a argumentação que o Sr. propôs no editorial de 7 de julho.
Parece-me mais frutuoso – ou me é mais congenial – ir, de certo modo, ao
coração de suas considerações. Também não entro na modalidade expositiva
seguida pela Encíclica, na qual o Sr. sente a falta de uma seção
especificamente dedicada à experiência histórica de Jesus de Nazaré.
Observo apenas, para
começar, que uma análise desse tipo não é secundária. Trata-se, de fato,
seguindo a própria lógica que segue o desenvolvimento da Encíclica, de centrar
a atenção sobre o significado do que Jesus disse e fez, e, assim, em última
instância, sobre o que Jesus foi e é por nós. De fato, as cartas de Paulo e o
Evangelho de João, aos quais se faz particular referência na Encíclica, foram
construídos sobre o sólido fundamento do ministério messiânico de Jesus de
Nazaré, cujo cume resolutivo é a páscoa da morte e da ressurreição.
É necessário
confrontar-se com Jesus, eu diria, na concretude e na dureza do seu
acontecimento, assim como é narrado sobretudo no mais antigo dos Evangelhos,
que é o de Marcos. Constata-se, então, que o “escândalo” que a palavra e a
praxe de Jesus provocam ao seu redor derivam de sua extraordinária
“autoridade”: uma palavra atestada desde o Evangelho de Marcos, mas que não é
fácil de traduzir para o italiano. A palavra grega é “exousia”, que
literalmente se refere ao que “provém do ser” que se é. Não se trata de algo
exterior ou forçado, mas que emana de dentro e que se impõe por si. Jesus,
efetivamente, atinge, surpreene, inova, como ele mesmo diz, a partir de sua
relação com Deus, a quem chama familiarmente Abbá, que lhe entrega esta
“autoridade” para que ele a exerça a favor dos homens.
Assim Jesus prega
“como quem tem autoridade”, cura, chama os discípulos a segui-lo, perdoa...
todas elas, coisas que no Antigo Testamento são próprias de Deus e somente
dele. A pergunta que retorna mais de uma vez no Evangelho de Marcos: “Quem é
este que...?”, e que se refere à identidade de Jesus, brota da constatação de
uma autoridade diferente da do mundo, uma autoridade cuja finalidade não é
exercitar um poder sobre os outros, mas servi-lhes, dar-lhes liberdade e
plenitude de vida. E isto até o ponto de por em jogo a própria vida,
experimentar a incompreensão, a traição, a recusa, ser condenado à morte, até o
estado de abandono na cruz. Mas Jesus permanece fiel a Deus, até o fim.
É então – como
exclama o centurião romano aos pés da cruz, no Evangelho de Marcos – que Jesus
se mostra, paradoxalmente, como o Filho de Deus! Filho de um Deus que e amor e
que quer, com todo seu ser, que o homem, cada homem, se descubra e viva também
como seu verdadeiro filho. Este, pela fé cristã, recebe a certeza de que Jesus
ressuscitou: não para triunfar sobre os quem lhe refutou, mas para atestar que
o amor de Deus é mais forte que a morte, o perdão de Deus é mais forte que todo
pecado, e que vale a pena gastar a própria vida, até o fim, para testemunhar
este imenso dom.
A fé cristã crê isto:
que Jesus é o filho de Deus vindo para dar a sua vida para abrir a todos o
caminho do amor. Por isso, tem razão o egrégio Dr. Scalfari, quando vê na
encarnação do Filho de Deus o caminho da salvação. Já Tertuliano escrevia “caro
cardo salutis”, a carne [de Cristo] é o cardo da salvação. Porque a encarnação
– o fato que o Filho de Deus tenha vindo na nossa carne e tenha condiviso
alegrias e dores, vitórias e derrotas da nossa existência, até o grito na cruz,
vivendo cada coisa no amor e na fidelidade ao Abbá – testemunha o incrível amor
que Deus tem por cada homem, o valor inestimável que lhe atribui. Cada um de
nós, por isto, é chamado a fazer seu o olhar e a escolha de amor de Jesus, a
entrar no seu modo de ser, de pensar e de agir. Esta é a fé, com todas as
expressões que são descritas com precisão na Encíclica.
No mesmo editorial de
07 de julho, o Sr. me pergunta ainda como compreender a originalidade da fé
cristã enquanto essa tem seu foco precisamente sobre a encarnação do Filho de
Deus, em relação a outros credos que, diferentemente, gravitam em torno da
transcendência absoluta de Deus.
Eu diria que a
originalidade está precisamente no fato que a fé nos faz participar, em Jesus,
da relação que Ele tem com Deus que é Abbá e, a esta luz, no relacionamento que
Ele tem com todos os outros homens, inclusive os inimigos, no sinal do amor. Em
outros termos, a filiação de Jesus, como a apresenta a fé cristã, não é
revelada para marcar uma separação insuperável entre Jesus e todos os outros:
mas para dizer-nos que, nele, todos somos chamados a ser filhos do único Pai e
irmãos entre nós. A singularidade de Jesus é para a comunicação, não para a
exclusão.
Disto segue também –
e não é pouca coisa – a distinção entre a esfera religiosa e a esfera política
que é afirmada no “dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”,
afirmada com clareza por Jesus e sobre a qual, com fadiga, se construiu a
história do Ocidente. A Igreja, de fato, é chamada a semear o fermento e o sal
do Evangelho, o amor e a misericórdia de Deus que atingem todos os homens,
apontando a meta ultraterrena e definitiva do nosso destino, enquanto à
sociedade civil e política toca a árdua tarefa de articular e encarnar na
justiça e na solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana.
Para quem vive a fé cristã, isto não significa fuga do mundo ou procura de
qualquer tipo de hegemonia, mas serviço ao homem, ao homem todo e a todos os
homens, a partir das periferias da história e tendo desperto o sentido da
esperança que impulsiona a trabalhar pelo bem apesar de tudo e olhando sempre
além.
O Senhor me pergunta
ainda, na conclusão de seu primeiro artigo, o que dizer aos irmãos judeus a
respeito da promessa feita por Deus a eles: esvaziou-se completamente? Este é –
acredite-me – um questionamento que nos interpela radicalmente, como cristãos,
porque, com a ajuda de Deus, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, temos
redescoberto que o povo judeu é ainda, para nós, a raiz santa da qual germinou
Jesus. Eu também, na amizade que cultivei ao longo de todos esses anos com
irmãos judeus, na Argentina, muitas vezes na oração interroguei a Deus, de modo
particular quando recordava a terrível experiência da Shoah. O que lhe posso
dizer, com o apóstolo Paulo, e que nunca se acabou a fidelidade de Deus à
aliança feita com Israel e que, através das terríveis provas destes séculos, os
judeus conservaram a sua fé em Deus. E por isto, nunca seremos suficientemente
gratos a eles, como Igreja, mas também como humanidade. Esses, perseverando na
fé no Deus da aliança, recordam todos, também nós cristãos, o fato que estamos
sempre na espera do retorno do Senhor, como peregrinos, e, portanto, devemos
estar abertos para ele e nunca apoiar-nos no que já tenhamos atingido.
Agora trato das três
questões que o Sr. me propôs no artigo de 07 de agosto. Me parece que, nas duas
primeiras, o que lhe interessa é entender o comportamento da Igreja com relação
aos que não partilham a fé em Jesus. Antes de tudo, me pergunta se o Deus dos
cristãos perdoa quem não crê e não busca a fé. Antecipando que – e é o
fundamental – a misericórdia de Deus não tem limites se se volta a ele de
coração sincero e contrito, a questão para quem não crê em Deus está em
obedecer à própria consciência. O pecado, também para quem não tem fé, existe
quando se vai contra a consciência. Escutar e obedecer a ela significa, de
fato, decidir-se diante do que é percebido como bem ou como mal. E sobre essa
decisão se joga a bondade ou a maldade do nosso agir.
Em segundo lugar, me
pergunta se o pensamento segundo o qual não existe nenhum absoluto e,
consequentemente, nenhuma verdade absoluta, mas somente uma série de verdades
relativas e subjetivas, seja um erro ou um pecado. Para começar, eu não
falaria, nem mesmo para quem crê, de verdade “absoluta”, no sentido que
absoluto é o que é desligado, o que é privado de qualquer relação. Ora, a
verdade, segundo a fé cristã, é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo.
Portanto, a verdade é uma relação! Tanto é verdade, que cada um de nós a
compreende e a exprime a partir de si: da sua história e cultura, da situação
em que vive, etc. Isto não significa que a verdade seja variável e subjetiva.
Ao contrário. Mas significa que ela se dá a nós sempre e só como um caminho e
uma vida. Jesus não disse “Eu sou o caminho, a verdade, a vida”? Em outros
termos, a verdade, sendo definitivamente uma com o amor, requer a humildade e a
abertura para ser buscada, acolhida e expressa. Portanto, é necessário um bom
entendimento a respeito dos termos e, talvez, sair da estreiteza de uma
contraposição... absoluta, impostar novamente em profundidade a questão. Penso
que isto seja absolutamente necessário para entabular o diálogo sereno e
construtivo que eu auspiciava no início desse meu dizer.
Na última pergunta, o
Sr. me pergunta se, com o desaparecimento do homem sobre a terra, desaparecerá
também o pensamento capaz de pensar Deus. Certo, a grandeza do homem está no
poder pensar Deus. E no poder viver uma relação consciente e responsável com
Ele. Mas a relação existe entre duas realidades. Deus – este é o meu pensamento
e esta é minha experiência, mas quantos, ontem e hoje, a condividem! – não é
uma ideia, ainda que elevadíssima, fruto do pensamento do homem. Deus é
realidade com “R” maiúsculo. Jesus no-lo revela – e vive a relação com Ele –
como um Pai de bondade e misericórdia infinita. Deus não depende, portanto, do
nosso pensamento. De resto, também quando viesse a acabar a vida do homem sobre
a terra – e para a fé cristã, em todo caso, este mundo assim como o conhecemos
é destinado a acabar –, o homem não cessará de existir e, de um modo que não
sabemos, também com ele o universo criado. A Escritura fala de “novos céus e
nova terra” e afirma que, no fim, no onde e no quando que estão além de nós,
mas para os quais, na fé, tendemos com desejo e esperança, Deus será “tudo em
todos”.
Egrégio Dr. Scalfari,
concluo assim estas minhas reflexões, suscitadas pelo que o Sr. quis me
comunicar e perguntar. Acolha como resposta provisória mas sincera e confiante
ao convite que lhe dirigi de fazer um percurso de caminho juntos. A Igreja,
creia-me, apesar de todas as lentidões, infidelidades, erros e pecados que pode
ter cometido e pode ainda cometer nos que a compõem, não tem outro sentido e
fim a não ser o de viver e testemunhar Jesus: Ele que foi enviado pelo Abbá “a
levar aos pobres o alegre anúncio, a proclamar aos prisioneiros a libertação e
aos cegos a vista, e por em liberdade os oprimidos, a proclamar o ano da graça
do Senhor” (Lc 4,18-19).
Com
proximidade fraterna,
Francisco.
Jornal Online “A Voz de Lourdes” - Outubro 2013
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval Neves
Responsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa - SP