Por Enrique A. Eguiiarte
B.
Santo Agostinho viveu em uma sociedade
incipientemente cristã e fortemente marcada e modelada pela tradição romana
expressa pelo mesmo direito romano.
Para o direito romano, a mulher essencialmente
era um ser alieni iuris, quer dizer, uma criatura dependente de
outro na maior parte dos momentos de sua vida. Pode-se contar e apontar as
mulheres, grandes e poderosas matronas romanas que, pelo menos de maneira
implícita, chegavam a ser sui iuris, quer dizer, independentes e
ter uma personalidade jurídica própria. A sociedade romana é, portanto, uma
sociedade na qual a mulher é vista como uma criatura de segunda categoria.
Por outro lado, o pensamento de santo
Agostinho está marcado pela Sagrada Escritura. No livro do Gênesis são
encontradas duas visões, a da igualdade entre homem e mulher (Gn 1, 27) e um
pouco depois, a da superioridade do homem sobre a mulher (Gn 2, 22-24).
Por isso, santo Agostinho, fiel a seus
princípios exegéticos de interpretar a Escritura com a mesma Escritura, buscará
a solução desta antítese nos escritos de são Paulo. Em suas epístolas são Paulo
apresenta – por causa de sua época e tradições – uma visão e inclinação de
clara subordinação da mulher ao homem.
Muitos dos textos mais discutidos de santo
Agostinho sobre este tema, como acontece em outros muitos casos, não passarão
de uma tentativa de explicação exegética de algum texto paulino.
Até este ponto, santo Agostinho não chegou a
sair dos elementos próprios de sua cultura e do pensamento cristão moldado pela
Sagrada Escritura.
Contudo, a reflexão de santo Agostinho, em sua
lucidez e sinceridade, vai mais além, a ponto de reconhecer que, apesar de
todas estas considerações próprias de seu tempo e da reflexão em torno do
assunto, a mulher é um ser de uma estatura enorme, humana e, espiritualmente
falando, que ultrapassa os limites a que sua cultura queria confiná-la.
Em primeiro lugar, quem sai ao resgate da
condição feminina e, em geral, da raça e condição humana, não é outra senão a
Virgem Maria que, com sua própria e obediente entrega ao plano de Deus, como
nova Eva repara os estragos feitos pela desobediência da primeira Eva (s. 51,
3).
Para santo Agostinho, a Virgem Maria é não só
o protótipo e ideal de toda mulher, mas também de todo cristão (s.191, 4) e,
inclusive, da mesma Igreja que, como ela, é também Virgem e Mãe (virg. 2, 2).
Deste modo santo Agostinho reconhece que a
mulher, apesar de sua debilidade e limitações físicas, pode ter uma inteireza e
uma fortaleza inusitadas, capaz de afrontar as adversidades e a morte com
grande força de espírito, como acontece no caso das mártires, representadas
particularmente pelas figuras de duas cartaginesas bem populares na África de
então, Perpétua e Felicidade, que não deixam de encher de admiração ao Bispo de
Hipona, como fica manifesto nos sermões dedicados a elas (s. 280, 281, 282, s.
Erfurt1).
Mas, provavelmente, a mulher com a qual santo
Agostinho teve maior proximidade e a que mais lhe transmitiu a imensa riqueza
que encerra a condição feminina, foi sua mãe santa Mônica.
Nela santo Agostinho admirará a constância na
oração e, por meio dela, se dará conta da fortaleza e dignidade que a mulher
pode apresentar em meio às maiores provas e dificuldades, sobretudo quando se apoia
em Deus, como foi o caso de sua mãe.
Santo Agostinho apontará também a riqueza
espiritual que pode haver na maternidade e no cuidado espiritual das
verdadeiras mães para com seus filhos, dando-lhes à luz quantas vezes percebe
que se afastam de Deus.
Por outro lado, sabe também que santa Mônica,
apesar de ser pessoa com uma limitada preparação acadêmica, possui uma
inteligência viva e aguda, o que leva santo Agostinho a ter consciência de que
as mulheres podem ser não só tão inteligentes quanto os homens, como podem, em
alguns casos, ultrapassá-los.
Fonte:
Jornal Online “A Voz de Lourdes” – Março de 2020
Compilação e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval NevesResponsabilidade: PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa – SP
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